O que poucos sabem sobre internações involuntárias

Por Oraculum

21 de maio de 2025

Categoria: Saúde

Internação involuntária é um daqueles temas que todo mundo já ouviu falar, mas poucos realmente entendem o que está por trás. De longe, parece algo simples: a família decide, o médico assina, o paciente é levado. Mas as engrenagens desse processo são bem mais complexas do que aparentam. Envolvem questões legais, éticas, emocionais — e até logísticas — que, muitas vezes, passam despercebidas na discussão superficial que costuma surgir quando o assunto vem à tona.

É comum que o debate gire em torno da liberdade individual. Claro, ninguém gosta da ideia de ser obrigado a fazer algo contra a própria vontade. Mas e quando a pessoa está fora de si? Quando o vício, a crise ou o surto a impedem de tomar decisões seguras? Nessas horas, entra um dilema difícil de engolir: deixar a autonomia prevalecer ou intervir por proteção? Há quem diga que toda intervenção é abuso. Outros, que é um ato de amor. No fim, tudo depende de perspectiva.

E a legislação brasileira? Ela até tenta equilibrar esses pesos. Prevê a internação involuntária, sim, mas exige critérios específicos, laudo médico, comunicação ao Ministério Público. Não é algo que se faz da noite pro dia, por impulso. Mas será que essa burocracia garante justiça? Ou só atrasa socorros que não podem esperar? Essa é outra camada pouco discutida — e que causa bastante confusão na prática.

Então, vamos mergulhar. Não num mar de tecnicalidades, mas em nuances. Porque, se tem algo que a internação involuntária exige, é sensibilidade. Entre o sofrimento de quem vive o caos interno e a angústia de quem assiste de fora, há mais perguntas do que respostas. E talvez seja justamente esse desconforto que a gente precisa encarar.

 

O papel das famílias e o peso da decisão

Quando uma pessoa entra em surto, ou está completamente entregue ao uso de substâncias, a família muitas vezes é a única linha entre ela e o colapso total. A pressão que recai sobre os ombros dos familiares é brutal. Não só pela urgência, mas pela culpa — será que estou fazendo o certo? Será que ele vai me perdoar depois? E esse tipo de dúvida raramente aparece nos discursos públicos sobre internação. É tudo muito idealizado, quando na verdade é uma dor silenciosa e cheia de dilemas morais.

Decidir por uma internação involuntária é, para muitos, como apertar um botão de emergência. Não porque querem “se livrar” da pessoa, como alguns pensam, mas justamente porque já tentaram de tudo. Conversas, promessas, limites, terapias… e nada funcionou. E aí, quando o desespero fala mais alto, surge a busca por alternativas — muitas vezes pelas clínicas de recuperação que aceitam casos urgentes.

Mas mesmo nesse cenário, nem tudo é preto no branco. A decisão pode gerar conflitos internos na família, dividir irmãos, afastar pais e filhos. E isso tudo fica escondido, abafado sob o manto da “decisão certa”. O que não se fala é do trauma que essa escolha pode deixar para todos os envolvidos — inclusive para quem decidiu intervir.

 

A estrutura das instituições e seus bastidores

Não adianta romantizar: nem toda clínica de recuperação está preparada para lidar com pacientes internados involuntariamente. Algumas funcionam de maneira exemplar, com equipe multidisciplinar, protocolos éticos e acolhimento humanizado. Outras, nem tanto. E é aí que o problema se agrava, porque a internação, quando feita sem cuidado, pode virar punição em vez de tratamento.

Muitos familiares confiam nas promessas feitas em panfletos e sites. Mas o que acontece por trás dos portões dessas clínicas, raramente é visível. Existem relatos de maus-tratos, negligência, abandono. Pessoas deixadas à própria sorte, dopadas, trancadas — e sem fiscalização constante, isso tudo pode passar batido. Parece exagero? Basta uma busca rápida na internet e você verá casos que arrepiam qualquer um.

Outro ponto que ninguém conta: o paciente involuntário, muitas vezes, resiste com força. É agressivo, verbalmente violento, tenta fugir. A equipe precisa saber lidar com isso. Não é apenas sobre isolar, é sobre cuidar — o que exige preparo, paciência e, principalmente, ética. E infelizmente, esse padrão não é seguido em todas as instituições.

 

Quando o vício se mistura com o sofrimento psíquico

É comum que internações involuntárias estejam associadas a dependência química. E aí entra um terreno ainda mais nebuloso. O vício, por si só, já é difícil de tratar. Mas quando vem junto com transtornos mentais — depressão, bipolaridade, esquizofrenia — o desafio se multiplica. E poucos lugares estão realmente preparados para oferecer um tratamento de dependentes químicos que leve tudo isso em consideração.

Nesse ponto, a abordagem precisa ser integrada. Psiquiatras, psicólogos, terapeutas, médicos clínicos… todos atuando em conjunto. Mas essa estrutura custa caro, é complexa e nem sempre está disponível fora dos grandes centros urbanos. E é aí que muitas famílias acabam optando por internações em lugares sem essa preparação — por falta de opção, não por descaso.

O problema é que tratar só o uso de drogas, ignorando a parte psíquica, é como tentar tapar um buraco com jornal. Funciona por um tempo, até tudo desmoronar de novo. E quando isso acontece, a frustração é generalizada. A família sente que fracassou, o paciente se revolta, o ciclo se reinicia. Internar, nesse caso, não é solução mágica — é só o começo de uma jornada longa e, muitas vezes, dolorosa.

 

Alcoolismo: o vício invisível e suas armadilhas

Se o assunto é internação involuntária, o alcoolismo é um dos casos mais camuflados. Porque, diferente de drogas ilícitas, o álcool é socialmente aceito. Está em festas, jantares, comemorações. E é justamente por isso que o vício passa despercebido por tanto tempo. Quando alguém bebe demais, a gente diz que é só “festa demais”, “fase ruim”, ou “coisa de adulto”. E enquanto isso, a dependência se instala — silenciosa, corrosiva.

Quando a família finalmente percebe, já passou do ponto. O comportamento mudou, os surtos aumentaram, os acidentes viraram rotina. Mas como convencer alguém de que precisa parar, quando a substância é legal, acessível e parte do cotidiano? Muitas vezes, não tem como. É aí que surge a discussão da internação, e com ela, o impasse. E nesse contexto, buscar um tratamento de alcoolismo estruturado pode ser a única alternativa real.

Só que o alcoolismo tem suas peculiaridades. A abstinência pode ser perigosa — até letal, em alguns casos. Então o acompanhamento médico precisa ser rígido. Mais uma vez, não dá pra colocar qualquer pessoa em qualquer clínica e achar que está resolvido. O álcool exige um olhar especializado, tanto na desintoxicação quanto na reabilitação. E isso nem sempre é prioridade nas internações involuntárias.

 

O que a lei permite (e o que ela ignora)

Vamos direto ao ponto: a lei permite a internação involuntária no Brasil, mas exige critérios objetivos. Precisa de laudo médico, não pode ultrapassar o tempo necessário para o tratamento, e deve ser comunicada ao Ministério Público em até 72 horas. Em teoria, parece rigoroso. Mas na prática, há brechas, omissões e interpretações diversas. E isso pode tanto proteger quanto prejudicar quem mais precisa de ajuda.

Um exemplo claro: o tempo de internação. A lei diz que deve durar apenas o tempo necessário para reestabelecer o paciente. Mas o que é “necessário”? Três dias? Um mês? Seis meses? Isso varia conforme o profissional que assina o laudo — e, muitas vezes, conforme o interesse da clínica. Há casos de pacientes internados por anos, sem revisão. Outros, liberados precocemente, voltam a consumir substâncias no mesmo dia.

Outro ponto delicado é a fiscalização. Quem garante que os direitos do internado estão sendo respeitados? Que ele está recebendo tratamento digno? Que não está sendo mantido à força, por interesse financeiro ou manipulação familiar? A resposta, infelizmente, é: quase ninguém. O Ministério Público deveria acompanhar, mas a sobrecarga de processos e a falta de estrutura tornam esse acompanhamento raro.

 

O impacto emocional no paciente após a alta

Fala-se muito sobre o antes e o durante da internação, mas e o depois? Quando o paciente recebe alta, o que acontece? Muita gente acha que a história acaba ali — tratamento feito, vício vencido, vida normal. Mas na real, o pós-internação é uma montanha-russa. Medo, raiva, desconfiança, vergonha… tudo isso vem à tona. E é preciso acolher essas emoções, não ignorá-las.

Para quem foi internado contra a vontade, o sentimento de traição é comum. A pessoa se pergunta: “como puderam fazer isso comigo?” Mesmo que tenha sido para o bem, a memória da internação costuma vir carregada de dor. Por isso, o acompanhamento psicológico depois da alta é fundamental — tanto para o paciente quanto para a família. Reconstruir o vínculo, restaurar a confiança, reaprender a viver junto. Isso dá trabalho, e muito.

Além disso, o risco de recaída é alto. Especialmente se o paciente volta para o mesmo ambiente que o adoeceu. Sem suporte, sem plano terapêutico contínuo, sem rede de apoio… é quase certo que a pessoa vá escorregar de novo. E não por má vontade, mas porque o vício é mais forte do que o orgulho. A recuperação real começa fora da clínica, no dia a dia. E isso, pouca gente entende.

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