Por que alguém escolhe ser advogado criminalista? Essa pergunta, à primeira vista, parece simples — mas quanto mais a gente pensa, mais camadas aparecem. Não se trata apenas de uma vocação jurídica ou do desejo de “fazer justiça”. É um caminho que envolve personalidade, contexto social, experiências de vida e, claro, uma dose de coragem. Afinal, não é qualquer um que encara o sistema penal de frente, dia após dia.
Há quem se aproxime dessa área motivado por histórias pessoais — um parente preso injustamente, uma experiência com a polícia, um senso de indignação que pulsa desde cedo. Outros chegam pela curiosidade, pelo fascínio que os tribunais exercem, quase como nos filmes, onde o drama humano escorre pelos corredores do fórum. Mas existe também quem entra pela porta mais prática: viu uma demanda crescente, identificou uma oportunidade e decidiu apostar.
E tem ainda os que são empurrados pela vida — um estágio que parecia passageiro, mas virou paixão; um professor inspirador; uma audiência que marcou. No fim, o que pesa mesmo é a decisão de permanecer. Porque uma coisa é entrar na área criminal, outra é construir uma carreira ali, enfrentando preconceitos, pressão emocional e dilemas éticos todos os dias. Não é glamouroso como muitos pensam. Longe disso.
Aliás, já parou pra pensar como é que se lida com o julgamento alheio quando se escolhe defender pessoas que, muitas vezes, são vistas como “indefensáveis”? Como explicar pra família, pros amigos — pra sociedade — que todo mundo merece defesa, inclusive aquele que está sendo acusado de estelionato ou de crimes ainda mais graves? A resposta está nos detalhes — e é sobre esses detalhes que vamos falar agora.
Motivações pessoais e histórias de vida
Quando a escolha profissional se confunde com vivência pessoal, a advocacia criminal costuma ganhar outro peso. Há muitos criminalistas que não nasceram em berço jurídico — muito pelo contrário. Cresceram em comunidades onde o sistema penal estava presente de forma constante, muitas vezes cruel. Não como uma teoria, mas como parte da rotina. Ver familiares ou amigos sendo levados pela polícia pode não parecer o início de uma carreira, mas em alguns casos, é o primeiro contato com o Direito.
Tem também quem passou por situações de injustiça na pele e decidiu que, se pudesse impedir que outros vivessem o mesmo, faria isso com todas as forças. A experiência pessoal, nesse caso, se transforma em combustível — e isso molda o estilo do profissional, o tom da fala, o tipo de cliente que atrai, até os casos que aceita (ou recusa). O “chamado” não vem só dos livros, vem da realidade mesmo, da rua.
Outros, por outro lado, seguem um caminho mais acadêmico e encontram na advocacia criminal um espaço para aplicar suas ideias. Gostam do debate, do embate jurídico, da complexidade dos casos. Mas até nesses casos mais “técnicos”, a decisão de atuar na área penal costuma ter uma pitada de paixão — uma vontade de ir além do óbvio, de mergulhar nos conflitos humanos mais profundos.
O impacto das questões sociais
Falar em advocacia criminal é falar também de desigualdade. A maioria dos acusados vem das classes mais baixas, muitas vezes sem acesso à educação ou aos recursos mínimos para garantir sua defesa. Isso pesa — e muito — na decisão de muitos advogados. Ser defensor, nesse contexto, é mais do que uma função técnica: é um ato político. Muitos enxergam sua atuação como uma forma de enfrentamento ao sistema, de denunciar abusos e proteger direitos que, na prática, não são garantidos a todos.
E há quem vá além, envolvendo-se com ONGs, movimentos sociais ou atendimento gratuito em comunidades vulneráveis. Não raro, esses profissionais lidam com situações-limite, como jovens apreendidos por conta de um celular roubado, tratados como criminosos de alta periculosidade. O papel do advogado, nesses casos, é resgatar a humanidade do cliente diante de um sistema que o enxerga como número.
Mas vamos ser sinceros: nem todo mundo está nessa por idealismo. Há também quem veja na criminal um nicho lucrativo — afinal, a demanda é constante, e bons advogados, especialmente os que entendem do jogo prático da justiça penal, são muito procurados. O desafio é equilibrar o propósito com a realidade do mercado. Um exercício constante, às vezes frustrante — mas que, para alguns, é justamente o que torna tudo mais interessante.
O desafio emocional da profissão
Uma coisa que pouca gente comenta — e que pesa muito — é o impacto psicológico da advocacia criminal. Lidar com histórias pesadas, com clientes desesperados, com familiares em luto ou em surto… isso tudo deixa marca. E nem todo advogado está preparado para segurar essa carga emocional. Às vezes o cliente some, desaparece, não responde mais — e o advogado precisa continuar, mesmo quando o advogado sumiu do outro lado também não colabora.
Há dias em que a sensação de impotência domina. Você faz tudo certo, monta uma defesa impecável, mas o juiz já entra na audiência com a decisão tomada. Ou o cliente confessa, no meio do processo, que mentiu pra você. Isso desmonta. Por isso, muitos profissionais acabam desenvolvendo estratégias de distanciamento emocional — uma casca — que protege, mas que também pode gerar frieza ou cinismo. Encontrar o equilíbrio é difícil, e nem sempre acontece.
Outro ponto importante é o julgamento social. Quantas vezes um advogado criminalista precisa se justificar por “defender bandido”? Como se a profissão fosse uma escolha moralmente duvidosa. Isso corrói. Exige firmeza de princípios e uma compreensão profunda sobre o papel do advogado no Estado de Direito. Afinal, sem defesa técnica, não há justiça — mesmo que a sociedade não esteja pronta pra ouvir isso.
A relação com o sistema judicial
Ser advogado criminalista é conviver com um sistema que nem sempre joga limpo. Sim, é isso mesmo. O ideal da imparcialidade muitas vezes não passa de um papel bonito na Constituição. Na prática, há juízes com preferências declaradas, promotores que jogam pesado e policiais que distorcem os fatos. Nesse cenário, o advogado precisa ser estrategista, rápido, atento aos mínimos detalhes — e, acima de tudo, resistente.
A relação com os operadores do Direito é, por vezes, tensa. Há respeito, claro, mas também desconfiança. Muitos veem o advogado criminalista como “o do contra” — aquele que complica, que atrasa, que “defende culpado”. Essa visão estreita dificulta a atuação e, em alguns casos, leva até a represálias disfarçadas. Pedidos ignorados, prazos curtos, decisões arbitrárias… o jogo é pesado.
Por outro lado, há quem consiga estabelecer relações de parceria — não no sentido de conluio, mas de reconhecimento mútuo. Quando isso acontece, o trabalho flui melhor. Casos com medidas protetivas, por exemplo, exigem atuação coordenada entre acusação, defesa e Judiciário, para garantir que a urgência seja respeitada. Nessas horas, a boa articulação faz toda a diferença.
O peso da responsabilidade
Advogar na área criminal é carregar, literalmente, o destino de uma pessoa nas mãos. Não é figura de linguagem. Uma petição mal feita, uma prova que não foi bem explorada, uma tese mal formulada — tudo isso pode custar anos de liberdade a alguém. É um nível de responsabilidade que assusta até os mais experientes. E não tem como terceirizar isso. O advogado é o último bastião entre o réu e o cárcere.
Além da técnica, há a necessidade de empatia — entender o cliente, ouvir sua versão, muitas vezes cheia de contradições e medos. O criminalista precisa decifrar essa narrativa e transformá-la em algo compreensível para o juiz. E nem sempre o cliente colabora. Às vezes mente, às vezes se omite, às vezes exige milagres. Cabe ao advogado colocar tudo em perspectiva, sem se tornar cúmplice ou carrasco.
E, claro, há os casos extremos. Aqueles em que o cliente está preso injustamente, a mídia já condenou e a pressão é insuportável. É aí que entra o uso de instrumentos como o Habeas Corpus, que muitas vezes é a única esperança real. A atuação estratégica, nesses momentos, é o que separa a liberdade da prisão — e isso exige frieza, experiência e uma boa dose de intuição.
O papel da reputação e da confiança
Por fim, um ponto que muitos subestimam: a reputação. Na advocacia criminal, ela vale ouro. Um bom nome abre portas, atrai clientes, conquista respeito. Mas o contrário também é verdade — um erro, uma exposição negativa, uma acusação infundada… e tudo pode desmoronar. Construir confiança leva anos. Perder, só precisa de um segundo.
O advogado criminalista precisa se comunicar bem, tanto com o cliente quanto com o juiz, com o promotor, com a sociedade. Não basta ser técnico — tem que ser humano, firme, coerente. E tem que saber quando falar… e quando calar. Cada palavra tem peso. Cada gesto, cada silêncio. Tudo comunica.
Além disso, muitos advogados precisam equilibrar uma postura profissional impecável com a necessidade de se proteger emocionalmente. Afinal, não é raro que clientes projetem no advogado suas frustrações, medos ou esperanças. Saber lidar com isso — sem absorver tudo como uma esponja — é o verdadeiro diferencial.